“VÁ PRA RIMA QUE PEDIU!”: INSATISFAÇÃO AMAZÔNIDA DIANTE DAS INVESTIDAS “DESENVOLVIMENTISTAS” ESTRANGEIRAS
Jessica Maria de Queiroz Costa
Jessica Maria de Queiroz Costa é mestranda em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará. Bacharela em História pela mesma instituição e licenciada pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia. Tem experiência nas áreas de história e música, com ênfase em música da Amazônia, bem como em história indígena e do indigenismo.
Paulo André Barata nasceu em Belém do Pará, em 25 de setembro de 1946. Começou a compor ainda na adolescência e teve seu talento aprimorado no Conservatório Carlos Gomes pelos professores Tó Teixeira, em Belém, e Wilma Graça, no Rio de Janeiro. O historiador folclorista Vicente Salles apontou, na década de 1970, Paulo André como um dos jovens que promovia a renovação da canção popular e que investigava o folclore regional, de modo que tal característica fazia dele um nome valioso a ser lembrado naquele momento (SALLES, 1970, p. 57).
O poeta, músico, jornalista e comunista, Ruy Barata influenciou profundamente a trajetória musical de Paulo André Barata, seu filho. Os dois artistas trabalharam juntos em vários momentos, como em Nativo (1978). Para além de outros trabalhos musicais, Ruy Barata teve significativa participação nos processos de composição e gravação de Amazon River (1980). Ruy Barata faleceu em 1990, mas seu legado poético e musical ressoa pela intelectualidade e pela música paraense e amazônida.
Para alguns autores, Paulo André Barata e Ruy Barata foram precursores de um estilo musical que inseriu na música brasileira características do “homem amazônico” (SILVA, 2010, P.16). As obras desses artistas são ferramentas importantes para compreender o debate a respeito da “integração” da Amazônia e do que se considerava “progresso” na década de 1970, isto é, são testemunhos de um passado não tão distante. O álbum Amazon River é um sólido exemplo desse testemunho.
“CAN YOU SEE, MR. BILL? AMAZON RIVER! NOT UNITED STEEL”
“Amazon River! Can you see, Mr. Bill?” (“Rio Amazonas! Você pode ver, Mr. Bill?”) pergunta Paulo André Barata a Mr. Bill na canção Amazon River. Segundo o próprio cantor, a frase pode ser (in)diretamente direcionada a Daniel Keith Ludwig, empresário americano que, no final da década de 1960, investiu em projetos relacionados à celulose na Amazônia, como o Projeto Jari, estabelecido entre as margens do rio Jari, entre os estados do Amapá e Pará. Embora o questionamento se refira especialmente a Daniel Ludwig, havia outros tantos investimentos estrangeiros que estavam sendo implementados na região amazônica naquele período.
Zuleide Ponte afirma que o discurso desenvolvimentista para Amazônia, desde a década de 1960, apresenta diversas contradições. Ao mesmo tempo em que acena para o progresso e o desenvolvimento da região, traz consigo a destruição, o isolamento da população camponesa, das populações indígena e negra (PONTE, 2010, p.186). A autora ainda defende que em meio a tantos discursos sobre modernidade, desenvolvimento tecnológico e progresso defendidos para a região amazônica, existem, na verdade, atos de barbárie que vêm sendo praticados em nome de uma pseudo melhoria social (PONTE, 2010).
VÁ PRA RIMA QUE PEDIU!
Amazon River é a música que inicia o disco e que o intitula. Percebemos ao longo de sua escuta a preocupação e inquietude de amazônidas em relação aos projetos estrangeiros semelhantes ao de Mr. Bill, tendo em vista a política de “integração” impulsionada pelo governo federal, o que para muitos críticos soava como uma nova colonização, ou seja, um novo modelo de exploração.
No decorrer do álbum, podemos identificar preocupação com a situação ambiental da Amazônia: o recado antagonista e incisivo às insistentes investidas de grandes empresas estrangeiras está presente, como podemos ver no seguinte trecho “Mas não vai manchar meu nome e nem vai sujar meu rio. Good bye, Mr. Bill! Good bye, Mr. Bill! Vá pra rima que pediu!”. Este verso apresenta crítica e repulsa à estas intervenções econômicas internacionais. Ainda que eufêmico, o grito “Vá pra rima que pediu!”, verbalizado na canção não só pelo cantor, mas em outros momentos em coro, é direcionado àqueles que enxergam a Amazônia apenas como uma fonte para a expansão de suas riquezas.
O álbum também nos impulsiona a refletir sobre os modos de viver de quem habita e sobrevive da/com a floresta, contrapondo as visões externas de quem não compreende o que isso significa. Mesmo sem o necessário entendimento sobre estas diferentes sociabilidades, estes empresários forasteiros são os primeiros a ser ouvidos sobre quais os melhores direcionamentos para se desenvolver economicamente o espaço amazônico e, assim, acabam por intervir de maneira equivocada, desrespeitosa e desastrosa nos hábitos de vida das populações desta região.
Amazon River é um trabalho musical que traz a Amazônia, a natureza, seus indivíduos para lhes conferir visibilidade. Além das letras das canções, a sonoridade do álbum também nos remete ao diálogo com o meio ambiente, com a Amazônia, mais precisamente, na medida em que se propõe a ressaltar os sons da floresta através de melodias de flauta, presentes principalmente na música título e em Paranatinga.
Paranatinga traz um tom melancólico em que o sujeito se depara com as ações e efeitos provocados pelas investidas e mudanças para o almejado “progresso” e desenvolvimento regional por parte do Estado. “Antes que matem os rios e as matas por onde andei, antes que cubram de lixo …” são versos de afeto e lembranças que o eu-lírico tem de sua vida desses lugares e de certa conformidade a respeito dos desastres ambientais que irão acontecer.
A maioria das comunidades que sofre com essas intervenções “desenvolvimentistas” são indígenas, quilombolas, ribeirinhas. Ademais, em Paranatinga se vê o indivíduo lamentando os danos sofridos em seu lugar, como se não pudesse agir para reivindicar ou defender suas demandas e direitos; demonstra uma posição que remete à passividade. Para além da canção, não podemos deixar de lembrar também as articulações e organizações políticas indígenas, quilombolas e de seringueiros solidificadas durante o período de lançamento do álbum.
As narrações contidas em Amazon River não estão muito distantes da situação atual na região amazônica. Recentemente, mais precisamente em 2018, tivemos notícia do caso da refinaria norueguesa Norsk Hydro sobre despejos de rejeitos tóxicos nos rios da cidade de Barcarena, localizada no nordeste do Pará. O incidente causou a contaminação de rios e igarapés, causando mudanças nos modos de viver, bem como problemas de saúde nas comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas da região. Infelizmente, Mr. Bill continua circulando entre nós, com seu dinheiro vadio, tomando seu whisky tão macio e sujando nossos rios.
Referências
BARATA, Paulo André. Entrevista. 09 de agosto de 2017.
PONTE, Zuleide. Amazônia, projeto desenvolvimentista, dissimulação e barbárie. 2010. 206p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Universidade Federal do Pará. Belém, 2010.
SALLES, Vicente. Música e Músicos do Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1970.
SILVA, Edilson Mateus Costa da. Ruy, Paulo e Fafá: a identidade amazônica na canção paraense (1976-1980). 2010. 136p. Dissertação (Mestrado e História Social da Amazônia). Universidade Federal do Pará. Belém, 2010.
Como citar este texto
COSTA, Jessica Maria de Queiroz. “Vá pra rima que pediu!”: Insatisfação amazônida diante das investidas “desenvolvimentistas” estrangeiras. A música de: História pública da música do Brasil, v. 4, n. 1, 2022. Disponível em: https://amusicade.com/amazon-river-1980-paulo-andre-barata/. Acesso em: 21st novembro 2024.