LUIZ AYRÃO
Luiz Gonzaga Kedi Ayrão (Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1942) Nascido em uma família de músicos talentosos cuja vida levou a outros caminhos, Luiz Ayrão acredita ter recebido essa benção, esse pequeno milagre que consiste em viver da música brasileira, compor canções inesquecíveis, conquistar certo público e fazer grandes amigos e parceiros de trabalho. O cantor e compositor viveu a transição entre três décadas intensas na música e na política, desde fins dos anos de 1950 até meados da década de 1980, circulando entre gêneros e movimentos como a Jovem Guarda, o samba e a música romântica. Assistiu de muito perto a ascensão das gravadoras – figuras fortes no estabelecimento da indústria fonográfica e decisivas na vida de inúmeros artistas – e de seu declínio, com a ampliação de público trazida pelas novas tecnologias e as transformações na cena da cultura de massas no país. Foram muitas as histórias compartilhadas na entrevista concedida ao Amuiscade, entre as quais, felizes acasos, como aquele que fez do jovem Roberto Carlos seu vizinho, e também testemunhos da violência da censura, que impediu a circulação de canções como Liberdade, Liberdade (1968) e Divórcio (1977). A seguir, fragmentos da trajetória singular de Luiz Ayrão: advogado, compositor da clássica Nossa canção, integrante da Velha Guarda da Portela, no compasso da história cultural de nosso passado-presente.
Escute Luiz Ayrão
As três sugestões imperdíveis de “A música de”
- Nossa Canção: composição de Luiz Ayrão gravada por Roberto Carlos em 1966.
- A Saudade que Ficou (O Lencinho): composição de Luiz Ayrão e Elzo Augusto, sucesso do disco Amigos de 1979.
- Águia na Cabeça: composição de Luiz Ayrão e Sidney da Conceição, lançada em 1983 no disco Quem não tem Esperança não tem Horizonte.
O ARTISTA EM UMA IMAGEM
Fotografia é história
"A MÚSICA DE" ENTREVISTA LUIZ AYRÃO
PARTE 1/4
“Alto, forte, quando meu pai chegava em casa do quartel, tudo tremia sob os passos dele. Pegava o violão e cantava, muito carinhoso”. Nesta primeira parte da entrevista, Luiz Ayrão apresenta memórias de infância nas quais a música aparece como elemento fundamental de afeto em família. O cantor relembra sua adolescência de rapaz estudioso e trabalhador que, contudo, desde muito cedo sentiu o gosto pela profissão proibida: “Minha mãe tinha horror de ouvir que eu ia me tornar um compositor profissional. Ser ator, atriz, cantor, cantora, significava ser uma pessoa boêmia, de conduta duvidosa”. Em sua primeira experiência com uma gravadora, a Continental, veio também sua primeira decepção: “dancei”. Mas eis que Roberto Carlos entraria, por acaso, em sua história; e a música de Ayrão entraria no disco de Roberto. Era o sucesso Nossa canção, de Luiz Ayrão, no famoso álbum preto do futuro rei, lançado em 1966.
PARTE 2/4
Formado em Direito, ainda socialista, funcionário concursado do Banco do Estado da Guanabara, Luiz Ayrão conta como se dividia na luta por dois objetivos nem sempre coincidentes: a vida de artista e a estabilidade financeira. O compositor narra com detalhes o que chama de “Apartheid” carioca, segmentação social balizada primeiro pelo morro do Cristo Redentor, depois pelo túnel Rebouças, que ele atravessara apenas uma vez para inscrever a canção Liberdade, Liberdade no festival da TV Record de 1968. Após interpretar a música, apresentando-se como cantor pela primeira vez na vida, um senhor de agasalho esportivo o chamou: “Você é o Luiz Ayrão? Sua música está desclassificada”. Era o general interventor da TV Excelsior. Apesar disso, como afirma Ayrão, “a censura ainda não tinha apertado o torniquete”.
PARTE 3/4
Luiz Ayrão já era procurador do Banco do Estado da Guanabara quando entrou para o time da grande Odeon, onde já estavam Milton Nascimento, Roberto Ribeiro, The Fevers, Tito Madi, Os cariocas, Clara Nunes, entre outros(as) artistas. Em suas palavras, “na época, era como jogar no Barcelona”. Foram passos rápidos e largos desde então: com a presença em programas de televisão como o do Chacrinha, o reconhecimento popular nas ruas e, enfim, a mudança para São Paulo – onde estava o dinheiro e a alta sociedade das boates. Aos poucos, o cantor foi se acostumando ao ambiente da noite paulistana frequentado por sujeitos como Chiquinho Scarpa e Toninho Abdalla, e por artistas de prestígio como Ella Fitzgerald, Billy Paul e Sarah Vaughan, que iam à conhecida casa de shows Catedral do Samba ouvir Leny Andrade cantar. Bola dividida, Missão e Saudades da República, foram sucessos de Luiz Ayrão nesse momento, em meados da década de 1970.
PARTE 4/4
que Nesta última parte da entrevista, Luiz Ayrão relembra um passado mais recente, quando já não era tão jovem, nem socialista e estava estabelecido na vida graças à música. Após vender suas casas de shows em São Paulo, por onde passaram Roberto Carlos e Elis Regina, voltou ao Rio de Janeiro: “a capital cultural do Brasil” e terra do samba. Indo e voltando no tempo, o compositor narra o caso da censura sobre Divórcio (1977), considerada hoje como uma das canções de crítica mais contundente à ditadura, e se queixa daqueles que o enquadram entre os cantores de música brega: “é um apelo popular diferente”, afirma. Luiz Ayrão se define como sambista, um compositor popular de bom nível, que foi respeitado e respeitou seus amigos e públicos. Atualmente, trabalha em um disco com seis músicas inéditas e algumas regravações; com a participação de Monarco, Xande, Zeca pagodinho, Alcione, Péricles e Demônios da Garoa. deseja ser lembrada como uma artista paulistana.